
Get Back [Ciclo]
10.04.2023, 22h
S/ Título (Get Back)
Susana Mendes Silva
A Appleton celebra 16 anos de existência e isso é motivo para novos ciclos, balanços e outras continuidades. Porém, a celebração não chega sem antes um inesperado interregno e o seu silêncio, que intensifica um forçoso pensar sobre qual é, afinal, a importância das associações culturais e dos espaços independentes dedicados à programação e divulgação artística na cidade.
A importância desta confluência de artistas, músicos, performers, curadores que entram e saem por estas portas ao longo dos anos e aqui encontram uma caixa de afectos com paredes que conservam as vivências. Parece-me que a Appleton nasce e floresce de relações de empatia, com vista à longevidade. E isso faz com que este convite para me juntar ao ciclo Get Back seja também um começo de mais uma – uma pequena semente lançada em terra fértil. Acredito que lugares que acolhem a criação artística têm campo magnético. Confidentes das questões que atravessam as obras e os criadores, despoletam possibilidades e inevitáveis embates. É preciso atender às lutas pela preservação da sua subsistência, e à subsistência das lutas que neles brotam. O ciclo Get Back chega assim da necessidade de se fazer uma celebração que é também uma forma de resistência. De persistência cuidada.
A premissa para este ciclo é simples, o convite a artistas que já aqui tenham exposto no passado e que possam voltar para um novo momento. Criar pontes e implicações à luz de um hiato temporal, com vista à possibilidade de (re)pensar, (re)contextualizar ou (re)olhar as suas práticas e as próprias condições do lugar. Get Back é essa possibilidade e zona de atuação, dentro da esfera inicial. Acontece numa brecha contracorrente e resgata artistas que contribuíram, cada um/a da sua forma, para estas fundações. O antes e o depois, o agora e o que virá, as circunferências permanentes e as conjunturas que sempre se transformam e por vezes, felizmente (esperemos), se reencontram. A arrancar com “S/ Título (Get Back)”, performance duracional de Susana Mendes
Silva (Lisboa, 1972) no mês que marca o aniversário da Appleton, este ciclo contará em Junho deste ano com a exposição “Haze” de Vera Mota (Porto, 1982) na Box e, em 2024, com Belén Uriel (Madrid, 1974).
Susana Mendes Silva é íntima a estas paredes. Em 2008 apresentou a instalação “Square Disorder” e em 2015 “Square Party”, uma performance para os 8 anos da Appleton. Com uma obra multifacetada e intencionalmente aguçada, procura o cerne para lá do invólucro, o táctil que vibra, o átomo que ferve embalado na coreografia que se reinventa e ecoa tantas vezes pela voz da própria artista. Este é um desses casos, o gesto simples que ressoa o vazio do espaço e amplia as respirações, a dúvida, o que é afinal uma coisa ou outra e tudo isto? Com ironia e delicadeza, trata-se de uma performance pela sua efemeridade e convite à espera, à indagação. Em colaboração com o músico e compositor Jari Marjamäki “S/Título (Get Back)” lança um tom que abrange muito mais que o visível, o dizível. A afirmação entoada entre flashes é um jogo de sentidos e de ubiquidade. A repetição como único caminho para a reparação. A reparação que poderá apenas vir pela consciência da sua reivindicação. Tudo acontece porque está ligado, voltamos para depois continuar. E só podemos continuar depois de voltar ao centro, claro. À interioridade. O que nos é pedido enquanto espectador/a? Talvez seja essa a nossa maior responsabilidade. Como lembra a máxima budisma Mahāyāna “Drive All Blames into One” ou pelos versos da escritora e poetisa Maya Angelou, “seek no haven in my shadow, I will give you
no hiding place down here”…
A Rock, A River, A Tree
Hosts to species long since departed,
Marked the mastodon,
The dinosaur, who left dried tokens
Of their sojourn here
On our planet floor,
Any broad alarm of their hastening doom
Is lost in the gloom of dust and ages.
But today, the Rock cries out to us, clearly, forcefully,
Come, you may stand upon my
Back and face your distant destiny,
But seek no haven in my shadow,
I will give you no hiding place down here.
You, created only a little lower than
The angels, have crouched too long in
The bruising darkness
Have lain too long
Facedown in ignorance,
Your mouths spilling words
Armed for slaughter.
The Rock cries out to us today,
You may stand upon me,
But do not hide your face.
[…]
Maya Angelou, “On the Pulse of Morning” (excerto). On the Pulse of Morning, 1993.
Carolina Trigueiros, Abril 2023